Duas caras conhecidas da internet, pelo seu bom humor e animação sempre acompanhada de uma melodia. Esta dupla sai da digital, para o real, num espetáculo em que contam o percurso que fizeram até chegar ao palco em que estão. Passam pela infância, as loucuras da juventude, a criação do podcast “Canta-me uma história” e terminam com um ponto geral sobre a atualidade.
Confesso que apenas conhecia os artistas de uma, ou duas músicas que me apareceram nas redes sociais. Com toda a certeza, após o espetáculo, passei a conhecê-los melhor. Certamente, foi um momento de reunião e tertúlia – só faltou a mesa comprida, as bebidas e os aperitivos. Animação não faltou. Num formato de improvisação, puseram a plateia a rir, a delirar, a sentir, a escutar… enfim, uma panóplia de sensações. Ao princípio estranhei as constantes nuances, depois “entranhei”.
As principais memórias que me ficam são o momento insólito em que a filha do David Antunes lhe liga a pedir “10 paus” em pleno espetáculo, a imagem do Emanuel Moura a “tentar levantar voo” nas rampas do Centro de Congressos da Madeira, a vivacidade e a energia com que o David Antunes tocava no piano – certamente deve comprar pedais de duas em duas semanas… enfim, se continuar a descrever, conto o espetáculo por completo. Algo “caótico”, que no fim, resultou numa experiência quase indescritível.
Deixo só o alerta para um maior cuidado com os volumes. A certa altura, senti os meus tímpanos a pedir ajuda pela música bastante alta.
Uma história de enganos em que os cônjuges dos candidatos à presidência de freguesia, acabam por assumir a vanguarda eleitoral após o fatídico destino que assombrou a ambos os candidatos originais – curioso, não? Já o dono da agência funerária “Boa Morte” não poderia estar mais feliz com a oportunidade que lhe havia calhado, a não ser… com o atraso na entrega da mercadoria e o novo estagiário que lhe deixa os cabelos em pé – nem tudo é prefeito nesta vida, não é verdade?
Esta obra apresenta-nos uma constatação filosófica: “a nossa existência baseia-se em urnas, tanto eleitorais, como mortuárias”.
O espetáculo foi apresentado em contexto do ‘Festival Avesso 2025’, sob coordenação da Associação Avesso.
A sua concessão contou com a dramaturgia de Jean-Pierre Martinez, tradução de Maurícia Gabriel e adaptação e encenação de João Paulo Gouveia e João Pedro Ramos.
Uma peça cómica, crítica e envolvente. Elementos fundamentos para o sucesso da produção. Apetrechada de vídeos complementares e elementos de cenário que encheram os olhos do público. No seu geral, uma criação interessante com explorações interpretativas a destacar, como o candidato a presidente e o dono da agência funerária.
Por outro lado, creio que o espetáculo pecou em parte com a preocupação na “procura da piada”. Momentos em que se notava a introdução das “buchas cómicas” que, a meu ver, desnecessárias tendo em conta à construção dramatúrgica já bastante rica. Tal opção levava a um enfadamento com a ação.
Imaginem a seguinte situação: um jantar de confraternização, em que a personificação de três pontos do espectro político (centro moderado, esquerda progressista e direita conservadora) são os convidados de honra. Se as redes televisivas estivessem presentes, certamente teriam espectadores suficientes para superar qual experiência de reality show já existente.
Disputas ideológicas, coligações, disputa de eleitorado, debates intensos…, enfim, a representação da complexidade democrática, num espaço onde, tradicionalmente, se oculta tais assuntos: “não se discute política à mesa”.
A peça foi apresentada no contexto do ‘Festival de Teatro de Machico 2025’, sob coordenação do Grupo de Teatro de Machico.
Um projeto em que Ricardo Brito é o responsável pela concessão do texto e da encenação.
Estimei o espetáculo no seu geral. A aplicação de uma linguagem cómica e bastante física para a comunicação de um tema complexo. Comparações entre a “selvajaria humana” existente dentro e fora do parlamento. Quem é que se salva? Nem o público neste caso, que é confrontado com críticas sobre as suas ações.
Em relação à construção do espetáculo, um texto cativante, uma encenação agregadora e dinâmica, como destaque para as cenas da casa de banho, da luta de almofadas e da pizza.
Não obstante, realço o cuidado para com a excitação em cena, mais precisamente com o momento da interrupção maior. A informação é captada através dos jogos de ironia e de manipulação. Já quando o volume vocal excede, automaticamente, é criada uma barreira que impede essa mesma captação pelo espetador.
A convite da Erregueté - Revista Galega de Teatro, tive a oportunidade de escrever um artigo de crítica relativo ao espetáculo de teatro "«O Grande Incêndio» de Roland Schimmelpfennig", por A Escola da Noite e Sarabela Teatro, para a 109º edição da revista.
Um agradecimento à equipa da Erregueté, em especial ao Afonso Becerra Arrojo, pela oportunidade e confiança.
Um espetáculo em que o erro é tratado por “tu”. A tão tenebrosa “falha”, que arrepia todos os integrantes de uma criação artística quando imaginam essa possibilidade, é assumida e transformada em algo manifestante.
Resultante de uma residência artística, denominada de “FALHA”, com a premissa de explorar a analogia entre a fissura geológica que provocou o surgimento desta massa vulcânica a que chamamos de “Ilha da Madeira”, com o impacto da “fissura” do ATEF, em relação ao contexto artístico e social de cinquenta anos de existência na Região. Um aglomerado de falhas que resultaram no que é hoje, com as consequentes repercussões.
Nuno Pinheiro foi o responsável pela encenação e Lígia Soares a encarregada pela dramaturgia do espetáculo.
Gostei do modo como deram uma nova “roupagem” às falhas consequentes de um projeto artístico. Assumir o “erro”, não como um problema, mas sim como uma “visão prismática” de algo.
Destaco o trabalho plástico do Haikus Studio - Alberto Lage e Beatriz Vieira, com elementos visualmente impactantes e com funcionalidades cénicas igualmente interessantes.
Um resultado cativante, dinâmico e que merece o meus parabéns a toda a equipa.
A companhia angolana Teatro Pitabel, apresenta-nos um monólogo em que as temáticas do abuso infantil e a opressão perante a mulher são exibidas a cru. Um relato a partir de factos verídicos que pretende “chocar” o espetador e alertar para estas problemáticas que ainda são, infelizmente, vigentes na sociedade em que vivemos.
Esta peça foi apresentada em contexto da programação do ‘Festival Avesso 2025’, com produção da Associação Avesso.
A criação desta obra contou com o texto de Victor Bango Lino Suama, encenação de Carla Esmeralda, iluminação e assistência de Adérito Rodrigues e interpretação de Débora Makiese.
O objetivo dos artistas com esta proposta era de “chocar” o público pela intensidade e profundidade da mensagem, contudo, acredito que a parte do “chocar”, funcionou, mas o restante, ficou aquém do expectado. Falhas estruturais que passo a enumerar e a justificar perante a minha opinião.
O espetáculo inicia de uma forma cativante. Um jogo de máscara inusitado e apelativo pela criação de contraste, no entanto, perde-se o efeito pelo longo período de utilização, acoplado à invariável proposta de jogo.
Numa fase posterior, as propostas gráficas daquilo que seria a representação da violação e do abuso para com o corpo alheio, perderam a força e intenção, pela forma da execução. Por vezes, a opção da exemplificação do assunto que estamos a retratar, leva a uma descontextualização e perda de credibilidade do tema a ser abordado. Neste caso, o extremo foi ultrapassado de tal forma, que se transformou algo, de certo modo, “cómico”.
Propostas de transição entre cenas lentas e de pouco gabarito e as escolhas musicais não foram as mais adequadas.
Em suma, foi um espetáculo que me inquietou, mas não pelos melhores motivos.
A obra “Hamlet”, de William Shakespeare, é um dos textos mais conhecidos e mais acarinhados da dramaturgia. Uma obra-prima que continua a ser contemporânea, apesar de ter sido escrita há mais de 400 anos.
Uma tragédia em que vingança, os jogos de poder, o sofrimento e a manipulação fixam-se como raízes e criam estabilidade a uma sociedade aparentemente plena, mas que está intrinsecamente podre.
Neste espetáculo, a grande adaptação da obra “Hamlet”, a maior que a cidade já viu, ou alguma vez verá, foi cancelada. Ninguém sabe porquê. Problemas com apoios e patrocinadores, atritos entre a produção e elenco, dificuldade no cumprimento das datas estipuladas, enfim… as opções são variadas. Inconformado com tal desfecho, Vinicius, decide construir a sua própria adaptação, a partir da adaptação que seria apresentada. Utiliza excertos do texto original, apresenta propostas de ação, de idealização, de luz, de cenário, de figurinos, etc.. A tentativa de não deixar morrer o trabalho que tanto custou a ser concebido.
A peça esteve inserida na programação do ‘Festival Avesso 2025’, promovido pela Associação Avesso.
Este texto teve como responsáveis Flávio Tonnetti e Vinícius Piedade e a encenação ficou a cabo de Vinícius Piedade, com assistência de encenação de Fábio Vidal.
Este é o quinto monólogo de Vinícius Piedade. Uma procura, e passo a citar, pela: “discussão conceptual sobre o sujeito contemporâneo e a sua relação com a sociedade moderna.”.
Uma proposta textual interessante na forma como desconstruiu o texto de Shakespeare e incorporou e adaptou vários tópicos e problemáticas da atualidade, tanto na sociedade em geral, como no contexto teatral. Tive um gosto especial pelo jogo cénico que tomou com as frutas.
Por outro lado, creio que a repetição de gagues e as mudanças abruptas e consecutivas de pensamento e de história, levavam a certa altura, a um cansaço e desconexão do público para com a ação. Manter um único ator a captar a atenção de uma plateia, por 1h30, apesar do dinamismo e de representar vários personagens, é um objetivo bastante audacioso. É possível, mas não é nada fácil.
Após um arrastado período de pausa, retorno ao Diário com um clássico de Gil Vicente. “A Farsa de Inês Pereira” é uma comédia satírica em que nos é desvendada a história de Inês Pereira, jovem protagonista da história, e das suas complicadas tentativas de junção conjugal.
A procura do lucro através de arranjos conjugais, aparências que escondem os reais feitios e ações e a manipulação perante proveito próprio. Estes são alguns dos temas que Gil Vicente procurou criticar com a sua obra. Já diz a expressão e bem: “ridendo castigat mores”.
Esta produção contou com o texto original de Gil Vicente e com encenação de Onivaldo Dutra Oliveira.
Já não se consegue contar pelos dedos quantas vezes esta peça já ganhou vida nos palcos de todo país – e não só. A Contigo Teatro, companhia com forte trabalho no setor educacional, decidiu que a apresentação do espetáculo seguisse com o linguajar original do século XVI. Uma opção nobre, mas, ao mesmo tempo, perigosa pela dificuldade na compreensão do enredo e pela propícia desconcentração do público – algo que, ao meu ver, aconteceu.
Notei que o espetáculo era acompanhado de um “tom sombrio”, tanto pelas opções de cenografia, de responsabilidade de José Luís Fernandes, como também na composição musical, através do trabalho de Márcio Faria. Uma opção interessante, com sentido lógico e que ao mesmo tempo criou-me certas dúvidas.
Começo pelo trabalho de cenografia, do qual elogio a idealização da figueira e da restante estrutura que a acompanha – como a cama de Inês. Por sua vez, questiono a estrutura metálica por cima da árvore. Confesso que com as suas diferentes ondulações não compreendi o seu significado. Por momentos, pensei que fosse um espelho que incorporasse o público na cena, pelo ângulo em que estava colocado, contudo, esse efeito ficou muito aquém.
Em relação à componente musical, devo admitir que até ao momento em que escrevo este comentário, a opção musical tão “pesada” para o momento do baile ainda me cria algumas “comichões”. Com isto não quero contestar a qualidade da opção, apenas partilho a minha sensação como espetador. Um contraste muito acentuando entre a sonoridade e a expansão dos movimentos.
Para finalizar, partilho uma opinião da sessão a que assisti. Tive de oportunidade de ver o espetáculo numa “sessão para escolas” e confesso que fiquei bastante impressionado com o comportamento dos jovens espetadores. Apagam-se as luzes para iniciar o espetáculo e os instintos selvagens dos espetadores elevaram-se e um uivar e assobiar ensurdecedores que dominaram por um longo período de tempo. Uma falta de ética e de saber estar que, até à data, nunca havia assistido com tal nível. Mais uma prova que deve levar a todos os artistas e profissionais da educação a repensar como devemos proceder na criação e ensinamento de públicos.
Integrado no “TÚNEL 8 - Festival de Artes no concelho da Calheta”, promovido igualmente pela OITO - Associação Cultural, este espetáculo apresenta-nos a vida de dois irmãos (um rapaz e uma rapariga), que discutem cada um a sua perspetiva do mundo. Ela cuida dele e quer que este vá para a cidade, que se vista e que se divirta como os outros rapazes da sua idade. Já ele, quer ser feliz no seu espaço, ao seu tempo, enquanto cuida da sua motorizada que, aparentemente, não sai do lugar.
A discussão entre estes dois irmãos traz para cima da mesa as ideias da escuta do outro, a preocupação da construção de um futuro, a angústia do envelhecimento, a definição de felicidade, entre outras mais.
Esta obra teve como responsáveis pela dramaturgia e encenação, João Paiva e Ricardo Brito.
Desde já, quero destacar a fantástica opção do local de apresentação. A escolha de um espaço alternativo, mais concretamente, o quintal de uma casa da comunidade, deu uma outra vida à obra. O cenário natural, as intempéries das pessoas que passavam enquanto acontecia a ação, os feixes de luz solar que embelezavam os quadros cénicos e as rajadas de vento que animavam a alma da cena, incrementaram imensamente toda a produção. Um aproveitamento de espaço cénico notável, com os quadros criados na fachada da casa, nos canteiros de hortênsias e na corda de estender a roupa.
Realço o trabalho dos jogos de escuta e resposta dos intérpretes, Ana Camacho e Guilherme Henriques, com maior ênfase para a difícil tarefa do domínio dos silêncios. No geral, creio que bem conseguidos.
O formato de teatro fantasmagórico volta às tábuas do palco, mas, desta vez, mesclado com o cinema de terror. Duas linguagens que se conjugam numa peça em que um grupo de amigos, num retiro de fim de semana, é assombrado pelos extremismos do quotidiano. A mescla entre o gore e a ascensão da extrema-direita na Europa. Dois tópicos que se complementam e, consequentemente, levam à inquietação do espírito. O que virá a partir daí?
Esta obra teve como responsável pela sua dramaturgia e encenação, Mickaël de Oliveira.
Um trabalho que suscita ao público uma mistura de sensações. Pessoalmente, gostei desta conjugação. Um texto que prende os espectadores, não só pelos temas abordados, como também pelo modo em que está construído, um trabalho interpretativo igualmente atrativo, contracenas dinâmicas (mesmo nas discussões mais estáticas) e a implementação de vários estímulos em simultâneo (tanto presenciais, como em vídeo).
Destaco a cenografia, de autoria de Pedro Azevedo, com a construção do piso de uma casa em cima de palco. Uma frente visível para o público e uma outra continuação percetível através do acompanhamento constante de Fábio Coelho, que captava milimetricamente em vídeo as movimentações e expressões dos intérpretes, ao mesmo tempo que criava um ambiente distinto com imagens de pormenores do cenário.
A sonoplastia e composição musical de Sérgio Martins e Rui Lima, acrescentou uma outra densidade ao ambiente proposto. O que também ajudou nessa criação foi o desenho de luz de Rui Monteiro, que juntos, levaram o público para uma outra dimensão.
No geral, gostei do modo como apresentaram as cenas mais sangrentas e macabras, de modo bastante subtil, mas, ao mesmo tempo, de forma eficaz. Volto a destacar o equilíbrio entre a representação presencial e a captação em vídeo. Duas linguagens que resultaram muito bem sem que nenhuma se sobrepusesse à outra. Os meus parabéns a toda a equipa pelo resultado conseguido!